quinta-feira, 29 de março de 2012

COMO SE AJUDA UM AMIGO 1


Como se ajuda um amigo - 1

Vocês já sabem que o Wilson era uma pessoa maravilhosa e um amigo inacreditavelmente fiel. Só para terem uma ideia, no segundo ano nós tivemos a matéria Medicina Legal. No primeiro semestre era para estudar lesões corporais, necropsia, deformidades horrorosas e nojentas. Eu odiei.
Já no segundo semestre foi tratada a Psiquiatria Forense e isso eu adorei. Sempre fui apaixonado pelo funcionamento da mente humana e principalmente pelos estados alterados de consciência e pelas psicoses. Uma vez o professor nos levou para uma visita ao Manicômio Judiciário e eu adorei. O professor ia passando pelos corredores, sempre acompanhado pelos alunos.
Acontece que eu vi em uma das celas (que estavam abertas) um internado que eu reconheci e entrei para conversar com ele. Fiquei de papo, procurando saber a forma como ele encarava os diversos homicídios que ele tinha praticado com requintes de crueldade e ele não aceitava que teria agido errado. De repente, eu senti um cutucão no braço. Era o Wilson, que tinha ficado junto comigo para me proteger e estava apavorado porque a cela estava cheia de loucos criminosos, enquanto a comitiva com o professor e os demais alunos já estavam longe. Ele estava arriscando a vida para me proteger!
Nós éramos realmente muito amigos. Quando ele precisou de um dinheiro emprestado, eu emprestei e ele queria me dar um cheque no valor do empréstimo, mas eu recusei porque tinha confiança absoluta nele. Ele ponderou que, se ele viesse a morrer, eu poderia receber o que me era devido. Foi quando eu respondi para ele que, se ele morresse, eu perderia muito mais que aquele dinheiro que eu tinha emprestado!
Assim, vocês podem imaginar a minha preocupação quando, estando eu no quarto ano e ele ainda repetindo o segundo ano, ficou pendurado nas matérias Direito Civil e Direito Penal. Se repetisse o ano duas vezes seguidas seria jubilado (perderia a matrícula na faculdade). Ele precisava tirar sete na prova oral e não sabia nada. Estudei com ele, mas era difícil explicar, porque ele não entendia os termos técnicos jurídicos. Usava e compreendia apenas os termos do linguajar comum. Por exemplo, quando eu tentei explicar a diferença entre Calúnia, Difamação e Injúria. Quase sempre, quando alguém se sente ofendido (principalmente um político acusado de corrupção) diz logo que vai processar o acusador por calúnia, injúria e difamação (sem saber a diferença entre elas).
Eu expliquei para ele que Calúnia era atribuir a outrem um fato descrito na lei como crime. Difamação era atribuir a outrem um fato que não constitui crime, mas que é desabonador e humilhante para a pessoa. Finalmente, Injúria não é atribuir qualquer fato a outrem, mas simplesmente ofendê-la, chamando-a de oligofrênico ou xingando-a com palavrões.
Não adiantou. O Wilson não conseguia acertar quando eu relatava um fato e mandava que ele enquadrasse em algum dos três casos. Foi então que eu resolvi simplificar para ele, usando não os termos técnicos e sim o linguajar comum.
Ensinei para ele que, quando você chama alguém de Ladrão você está cometendo uma calúnia, porque roubar é um crime previsto no código penal e você está atribuindo a outrem esse crime.
Se você chama alguém de Viado você está cometendo o crime de difamação, porque ser viado não é crime, mas é (ou pelo menos era na ocasião) uma coisa humilhante e depreciativa.
Finalmente, se você chama alguém de Filho da puta, você não está na verdade imputando qualquer fato a outrem ou atribuindo a profissão de prostituta à mãe de outrem. O seu propósito ao proferir essa expressão é simplesmente ofender.
Dessa forma, ele ficou repetindo até decorar a mantra: Ladrão, Viado, Filho da puta e vocês acreditam que na prova oral caiu exatamente essa matéria e o professor perguntou qual a diferença entre os três crimes? O Wilson se lembrou e exemplificou para o professor a diferença. O professor Roberto Lyra aceitou a resposta e ele conseguiu se livrar do Direito Penal!
Depois eu continuo em outro post como foi o drama (eu chegaria mesmo ao ponto de dizer que foi uma tragédia, com direito a gargalhadas, choro e desespero) quando ele fez a prova oral de Direito Civil.

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