quinta-feira, 29 de março de 2012

VADE RETRO, SATANÁS


Vade retro, Satanás!

Esta é mais uma passagem da minha vida, também envolvendo o meu amigo Wilson Riograndino Guberman

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Vade retro, Satanás!
Como eu disse no tópico anterior, o Wilson foi o meu melhor amigo no tempo em que cursava a faculdade e continuamos muito amigos depois da formatura, a ponto de ele ter sido o padrinho do meu casamento.
O Wilson era filho do dono de uma cadeia de parques de diversão e todos os sábados e domingos, eu ia de Vespa para o parque e ficávamos até fechar.
Ele sempre foi um dos sujeitos mais safados que eu conheci e tinha um excelente relacionamento com todas as domésticas que iam ao parque.
Nós duvidávamos que existisse vida após a morte e chegamos a combinar que aquele que morresse primeiro viria fazer contato com o outro. Mas, para evitar a possibilidade de ser apenas uma alucinação, o espírito deveria deixar uma marca preta de sua mão na bunda do sobrevivente, para que esta marca não ficasse exposta nem quando se fosse à praia.
Depois que eu tomei posse e viajei, perdemos o contato e só raramente eu o visitava quando ia ao Rio. Um dia, quando eu estava em Salvador, recebi uma carta dele muito estranha, falando sobre espiritualidade, Jesus Cristo, Virgem Maria, pecado, e por aí afora. Chegou ao ponto de pedir que eu o dispensasse do acordo da marca na bunda.
Claro que eu fiquei muito admirado com isso, mas era sério mesmo e ele estava me narrando sua conversão à espiritualidade. Depois de ler e reler por várias vezes a carta, resolvi responder na base da sacanagem, usando o estilo de Jorge Amado, a quem eu tinha conhecido em Salvador como testemunha em vários processos de Segurança Nacional.
Não guardei cópia da carta, mas depois que ele morreu ainda muito jovem, eu e Eunice estávamos visitando a viúva e seus filhos, quando eles comentaram o assunto e declararam que ele tinha guardado a carta com muito carinho e a carta ainda estava em poder deles. Eu aproveitei para tirar uma xerox e guardá-la no computador, porque ela é realmente muito engraçada e agora eu apresento esta carta aos colegas.
Peço que não tomem essa brincadeira como ofensa ou desmerecimento a qualquer religião ou crença. É apenas uma brincadeira

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Irmão Wilson,


Que a paz do Senhor esteja convosco e que Sua Santa Misericórdia permita que estejais livre do pecado.
Demorei estes dias para responder à sua carta porque custei a digerir as tremendas novidades, meditando sobre as revelações do amigo (e outras ocupações mais mundanas, algumas até‚ pecaminosas que, por serem menos meritórias aos olhos divinos, deixam de ser enumeradas nesta casta epístola ao devoto colega).
Enquanto lia a abençoada missiva, longe ainda de chegar à sagrada revelação, podia perceber pelas confissões de insatisfações consigo próprio, no meio familiar e no trabalho, que o colega sofrera grande transformação, podendo tal atribuir-se tão somente a ter abandonado a bebida ou encontrado Deus. Como o colega nunca foi dado a libações alcoólicas (amaldiçoado vício!), logo atribuí aquela mudança à manifestação sublime.
Como é do conhecimento do entusiasmado neófito, eu sou uma ovelha desgarrada que já privou da companhia divina por muitos abençoados anos, até que cometeu a heresia de trocar a palavra divina pelos prazeres da carne (literalmente falando, pois eu em minha religião era vegetariano).
Posso assim falar de cátedra, entendido que sou em matérias teológicas, ecumênicas e esotéricas, íntimo de guias e querubins, relacionado nas altas esferas espirituais, um porreta!
Dessa posição privilegiada, reforçada por três anos de proximidade com pais-de-santo, obás e babalorixás, filho de Oxóssi, cercado por Mãe Menininha, Olga de Alaketo e Seu Catão, passo a ditar regras, proclamar princípios, decretar verdades.

O COLEGA ESTÁ CERTO!

Declaração assombrosa, sentença inapelável (questionar quem há de?) a esclarecer dúvidas, sanar incertezas, colocando os pingos nos ís e os pontos finais.
Certo, não tanto do ponto de vista pessoal, egoísta e mesquinho, pois já é tarde demais para salvar a alma desse meu amigo, lascivo e lúbrico, pervertido e pútrido (Você deve pensar: "Essa não. Lascivo e lúbrico eu admito, mas pervertido e pútrido é a puta que o pariu!").
Certo porque demonstrou ser possível a todos, menos sôfregos que o meu depravado colega nas práticas pecaminosas, reerguerem-se da lama fétida para banhar-se no Verbo e na Luz Divina.
Aleluia! Bendito seja o Senhor e Seu Santo Nome!
Enquanto não chega o momento da Redenção, vamos aproveitar cada momento as deliciosas tentações colocadas no mundo pelo imaginativo e prestimoso Anjo Decaído (vade retro, Satanás).
De seu ímpio e rejubilado amigo,


Alzir

P.S. - Relendo estas mal traçadas linhas, verifico a existência de chulo palavrão, a contaminar a espiritualidade dos demais vocábulos e chocar os purificados olhos do colega. Não sei como foi parar em tão carola correspondência. Tentei riscá-lo e não consegui, faça-o o colega, se assim o desejar, pois confesso que simpatizo com a debochada expressão e seria mais de meu agrado eliminar o resto da carta que suprimir a sorridente imprecação.

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